Roger Waters em São Paulo – 1/4/12

Sair de Brasília para assistir a um show em São Paulo, mesmo após várias viagens, continua sendo um exercício desafiador. Comprar passagens, acordar cedo, arranjar carona até o aeroporto, torcer para o vôo não atrasar… E se aventurar em pleno domingo numa cidade gigantesca, saindo de um aeroporto distante de qualquer estação de metrô para um estádio igualmente distante. Mas a aventura à primeira vista ingrata vale a pena no momento em que se avista o estádio do Morumbi, tomado por filas formadas por fãs animados e ansiosos para o que está por vir.

Pela primeira vez, fui a um show organizado pela Time4Fun que estava realmente organizado. A bilheteria do estádio tinha movimento tranquilo, peguei meu ingresso sem menores problemas. Funcionários da empresa circulavam em todo o estádio, ajudando a tornar as filas mais organizadas e dar um clima de tranquilidade. Um batalhão da polícia estava próximo e disponível. Em comparação aos shows do U2 do ano passado, achei o clima para Roger Waters bem mais tranquilo. Uma amiga me contou que mesmo chegando no meio da tarde para a fila da pista prime, ainda conseguiu chegar muito próxima da grade.

Os problemas dentro do estádio, contudo, continuam os mesmos. Cachorro quente a 6 reais, amendoin idem, 5 reais o refrigerante. Gastei dentro do estádio o que não gastei pra chegar nele. A loja oficial foi a mais cara de todos os shows que estive no Morumbi, chegando a absurdos como vender um pedaço de papel por 70 reais. Sempre costumo levar um souvenir do show, mas esse em especial só trouxe de volta o ingresso mesmo.

O Show

Não dá pra inventar a roda e escrever algo novo aqui que as outras resenhas já não tenham feito. O show é escroto mesmo. A produção é impecável, nada fica fora do lugar. O muro é levantado com uma rapidez impressionante, com o trabalho diversas vezes sendo interrompido para não ser completado antes do tempo. Pirotecnias como fogos de artifício, soldados fardados com a bandeira da clássica insígnia dos dois martelos entrelaçados, a gigantesca tela de projeção em que o muro se transforma e elementos típicos do Floyd como o porco voador, os bonecos e o avião que se choca (sim, ele se choca!) contra o muro fornecem uma enxurrada de informações e acontecimentos. Tudo é rigidamente cronometrado, e a sensação é que se perde muito cada vez que piscamos o olho. Não era um show para se assistir pulando, gritando todas as letras. Mais do que nunca, Roger quis atenção. Muitos críticos que li criticaram o caráter discreto da parte musical, com a banda tocando quase o show inteiro atrás do muro, denotando frieza. Considerando que essas eram as mesmas críticas que o Pink Floyd sofria nos anos 70, não dá pra acusar Roger de ser incoerente.

A mensagem política domina todo o show. Em “The Thin Ice”, o pai de Roger, morto em ação na Itália na II Guerra, introduz um série de imagens de vítimas de conflitos do século XX ao longo de todo o muro. Uma versão acústica de “Another Brick In The Wall Part 2 ” foi tocada com Jean Charles de Menezes, o brasileiro morto em 2005 pela política londrina , no telão, com Roger dedicando o show a ele. “Goodbye Blue Sky” é tocada com um funesto vídeo no muro com aviões de guerra derrubando mísseis na forma de marcas como Shell, Mcdonald’s, Volkswagen. Cifrões, foices, martelos, cruzes, meia-luas e estrelas de davi também eram derrubados para explodirem lá em baixo. As imagens lembram que The Wall é um álbum do século XX, onde nunca mataram tantas pessoas em torno de ideologias. Mas também sugerem uma previsão bastante sombria sobre o futuro da humanidade. “Bring The Boys Back Home” trouxe a mensagem mais explícita, com crianças famintas no telão e mensagens acerca do prejuízo humano da guerra.  O porco de Waters em “In The Flesh” trazia as mensagens “o Brasil é um estado laico” e “o novo código florestal vai acabar com o país”, aproximando-se assim da realidade brasileira. Em suma, uma enxurrada de mensagens sobre diversos assuntos, em pouco mais de duas horas.

Se tudo isso pudesse sugerir que o show é enfadonho e cansativo, as partes, digamos, “musicais” levam a tese para baixo. “Hey You”, tocada com a banda atrás de um muro sem imagens vai além da simples frieza apontada por alguns, causando uma sensação de impotência (“The wall was too high, as you can see”. E vimos). Apesar de estar com uma voz mais grave que não alcança muitas notas (o próprio Roger admite que nunca foi bom cantor), o ex-Pink Floyd mostrou que ainda tem aquele feeling nas versões de “One of My Turns”, “Nobody Home”, “Vera”. Em “Confortably Numb” – provavelmente uma das canções mais triste e bela de todos os tempos – qualquer desconfiança acerca de uma performance sem David Gilmour em cima do muro foi derrubada com a linda voz de Robbie Wychoff, membro da banda de Waters. Chorei de soluçar com a performance.

A parte final do show dá destaque às clássicas animações de Gerard Scalfe, com seus martelos marchando, a mãe cujo abraço se transforma num muro, o professor que tritura seus alunos. Um deleite para aqueles que não deixam o álbum pegar poeira na estante. Os gritos de “Tear Down The Wall” derrubam o muro, introduz uma tocante versão de “Outside The Wall” e o fim do show. Sem encore, sem Wish You Were Here. The Wall e nada mais.

Vi muitas pessoas lamentarem não haver pelo menos outro número depois do show, mas isso ajuda a explicar a performance. The Wall é mais que uma simples sequência de canções, é um discurso. Um grito de dor em um mundo tomado por ideologias, guerras, mortes e crianças órfãs sem a chance de serem levadas pelos pais à escola. Se muitos críticos desdenharam The Wall como um álbum depressivo na época de seu lançamento, parece ser exatamente esse o sentimento que parece imperar nos dias de hoje. Ainda causa espanto que um álbum de 1979 ainda tenha tanto a dizer sobre o mundo contemporâneo.

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